Dos peixes ornamentais existentes, existe um grupo que se destaca dos demais, seja pelas cores magníficas, pela padronagem de seus corpos, pelo seu curioso comportamento ou simplesmente pela sua originalidade: os Ciclídeos Africanos.

Ciclídeos Africanos são peixes da família Cichlidae, encontrados nos três grandes lagos africanos do Vale do Rift: Lago Malawi, Lago Tanganyika e Lago Victória. São caracterizados basicamente pela agressividade e pelo territorialismo, bem como pela inteligência e rusticidade. São lembrados por muitos pelas condições que vivem na natureza: pH muito alto, água bem dura, muitas rochas e conchas bem como poucas ou nenhuma planta. Outra curiosidade que chama muito a atenção é que a maioria dos peixes provenientes dos três grandes lagos são endêmicos, ou seja só existem ali, naquela região, e em nenhum outro lugar na face da Terra. E é também por isso que muitos estão correndo sérios riscos de extinção devido a poluição de seu habitat.

São peixes em sua maioria fáceis de se reproduzir e de muita personalidade, mas existem critérios que devem ser observados, principalmente por aquaristas iniciantes. Isso se deve as condições especiais em que deve ser mantido o aquário para servir adequadamente de moradia para os peixes.

Primeiramente devemos levar em conta que as espécies provenientes dos três lagos possuem necessidades distintas uma das outras, portanto o aquário a ser montado deve respeitar tais exigências:

Lago Malawi: É o nono maior lago de água doce do mundo. O aquário que habitar as espécies desse lago deverá ter alguns pontos observados: Seu pH característico varia de 7,5 até 8,5, dependendo da região do lago. Sua dureza fica em torno de 4 à 8° dH. A temperatura é predominantemente tropical, em torno de 25 até 30°C. Os peixes que habitam esse lagos se dividem em dois grupos: os M-Bunas e os Não M-Bunas (Haplochromideos). Já os Haplochromideos se subdividem em mais outros dois grupos: os Aulonocaras (Peacocks) e os Haps. Exemplos:

- M-Bunas: Cynotilapia, Gephyrochromis, Iodotropheus, Labeotropheus, Labidochromis, Melanochromis, Metriaclima, Petrotilapia, Pseudotropheus e Tropheos (não são os mesmos Tropheus do Lago Tanganyika). A espécie Pseudotropheus acei é a única desse lago que prefere águas abertas (aquário com poucas rochas).

O aquário deve obrigatoriamente ter muitas rochas, formando túneis e esconderijos. Pois são peixes provenientes de zonas rochosas, além de muito territorialistas. O ideal é ter 2/3 tocas por peixe.

Melanochromis auratus

Melanochromis auratus, um M-Buna endêmico do Lago Malawi.

- Não M-Bunas: Aristochromis, Aulonocara, Buccochromis, Caprichromis, Champsochromis, Chilotilapia, Copadichromis, Cyrtocara, Dimidiochromis, Exochochromi, Fossorochromis, Lethrinops auritus, Lichnochromis, Mylochromis, Nimbochromis, Otopharynx, Placidochromis, Protomelas, Rhamphochromis, Sciaenochromis, Serranochromis, Stigmatochromis, Taeniolethrinops , Tramitichromis, Trematocranus e Tyrannochromis.

O aquário deve ter apenas algumas rochas e tocas para demarcação de território e para proteção em caso de disputas ou perseguições. Isso se deve a esses peixes preferirem águas mais abertas (ele habitam o meio do lago, onde existe muito espaço livre para nadar e poucas rochas).

Nos dois casos a água deve ser bem limpa, transparente e oxigenada. A água deve ter alguma movimentação (turbulência média). A iluminação deve ser média à alta. O pH maior que 7,8 e menor que 8,2. A dureza deve ser média, 5 à 7° dH. A alimentação deve receber atenção especial: são peixes onívoros mas que devem receber uma porção maior de alimentos de origem vegetal. Alguma proteína animal é importante, mas não em demasia. O excesso de alimentos de origem animal pode causar uma doença chamada de Malawi Bloat (fatal e silenciosa).

Fossorochromis rostratus

O Fossorochromis rostratus, um Não M-Buna endêmico do lago Malawi.



Lago Tanganyika: é o rio lago de água doce mais comprido do mundo. O aquário para as espécies desse lago deve observar os seguintes parâmetros: seus pH chega a extremos, de 8,5 até 9,2. Sua dureza atinge em média de 11 à 19° dH. A temperatura predominante é um pouco mais amena, de 23 até 28°C. Os peixes que habitam esses lagos são, de forma muito resumida:

Cyprichromis, Cyathopharynx, Ophthalmotilapia, Eretmodus, Neolamprologus, Cyphotilapia, Julidochromis e Tropheus.

O aquário deve conter uma quantidade razoável de rochas formando tocas assim como um bom espaço livre, isso varia de acordo com as necessidades das espécies deste lago (são bem distintas).


A água deve ser limpa e oxigenada, razoavelmente movimentada, com pouca iluminação (não é essencial par os peixes desses lagos): umas 6 horas são suficientes. Se optar por mais tempo, use lâmpadas de mais fracas do que o esperado. O pH deve ser maior que 8,5 e menor que 9,2. A dureza deve ser alta, algo em torno de 9 ou 10° dH. A alimentação deve ser estudada a parte, espécie por espécie, pois existem nesse lago espécies exclusivamente herbívoras, onívoras e carnívoras, não sendo possível estabelecer então um único padrão.

Neolamprologus leleupi

Neolamprologus leleupi, o Ciclídeo Limão. Uma espécie endêmica do Lago Tanganyika.



Lago Victoria: é o maior lago africano. Para um aquário que hospede peixes desse lago, devem ser observadas alguns aspectos importantes: pH mais ameno, variando de 7,4 até 8,2. Água mais macia, de 2 até 8° dH. A temperatura predominante é a mais fria dos lagos, de 21 até 26°C. Os peixes que habitam esse lago são:

Haplochromis latifasciatus, Paralabidochromis sp, Pundamilia nyererei e demais Haplochromis.

O aquário deve possuir algumas rochas que formem tocas, mas não na mesma quantidade indicada nos lagos anteriores. Esse lago hospeda os ciclídeos mais pacíficos desse grupo, muito inclusive sãoc riados em aquários comunitários comuns, como o Kribensis.

O aquário deve ter água limpa e bem oxigenada. O pH dependendo da espécie deve ficar entre 7,5 até 8,0. A dureza branda, de 2 até 6° dH. A temperatura mais amena que varia de 22 até 25°C. A alimentação desses peixes é basicamente onívora, na mesma proporção de fibras e proteínas.

Haplochromis obliquidens

Haplochromis obliquidens, um ciclídeo endêmico do Lago Victoria.

 

Aspectos comuns a todas as espécies acima é o fato de serem agressivas ou ao menos, territoriais. Também compartilham o gosto por águas mais básicas e bem oxigenadas. Um aquário livre de compostos nitrogenados é imprescindível, tendo em vista que a amônia é potencialmente mais tóxica em águas alcalinas do que em ácidas. E por serem assim devem habitar aquários médios a grandes. Para espécies que alcançam até 5 cm e não muito agressivas, um aquário a partir de 80 é suficiente. Para espécies que atingem até 15 cm um aquário a partir de 200 litros e par espécies maiores que 15 cm, aquários a partir de 350 litros.

Sobre plantas, muitos não usam ou então preferem as artificiais, mas é possível manter com certos cuidados plantas naturais nos aquários de Ciclídeos Africanos. O maior problema é que eles vão (ou pelo menos tentar) comê-las ou desenterrá-las, por isso devem ser resistentes e vigorosas. Abaixo algumas opções:

Anubias barteri ''coffeefolia'', Anubias barteri var. barteri, Anubias barteri var. nana, Bacopa monnieri, Ceratophyllum demersum 'Foxtail', Egeria densa, Lilaeopsis mauritiana, Vallisneria americana (natans), Vallisneria americana ''mini twister'' , Vallisneria caulescens - Vallisneria nana, Vallisneria spiralis 'Tiger', Crinum thaianum, Microsorum pteropus 'Narrow', Microsorum pteropus 'Philippine', Lemna minor.

Sempre que possível utilizar espécies que sejam amarradas e não plantadas (Ex.: Microssorum), para evitar problemas com os peixes fuçadores, que tentarão inevitavelmente desenterrá-las, se fossem plantadas dessa maneira (Ex.: Egeria).

É necessário evitar a mistura de peixes dos diferentes lagos, devido às exigências distintas e devido a alimentação. Se você possuir espécies unicamente herbívoras com outras onívoras, como fará para alimentá-los sem misturar as rações? Se o peixe herbívoro comer ração para onívoro e vice-versa, é dor de cabeça garantida...

O sistema de filtragem é fundamental nessas montagens e corresponde ao "coração" do aquário. Ele deve ter a capacidade de processar todos os dejetos produzidos pelos peixes, que no caso de Ciclídeos Africanos, são produzidos em quantidade e volume bem maiores, pois são peixes sujões. O ideal no caso de filtros externos Hang-On é uma vazão de 6 até 12x o volume do aquário por hora. No caso de Canisters (mais indicados), uma vazão de 3 até 5x é o suficiente. Garanta que além de filtrar, o filtro movimente a água, para gerar um pequena correnteza e também para oxigená-la. O importante é manter todos os níveis de amônia, nitrito e nitratos zerados.

Nessas montagens TPAs são muito importantes, tanto para a saúde do peixe como para seu crescimento. Trocas Parciais de Água uma vez por semana, com um volume de 25 à 35% é o suficiente. Lembrem-se: em aquários com água renovada regularmente os peixes ficam mais saudáveis e crescem mais rápido.

A temperatura é uma questão fácil de se resolver, basta um termostato comum mais um aquecedor adequado (ou só termostato se já vier com aquecedor embutido). Igual aos outros aquários tradicionais.

Iluminação pode variar como dito anteriormente. Pode ser baixa como alta, depende dos peixes que você criar. Se optar pelos que tem tendência herbívora, uma boa iluminação se faz necessária, pois estimula o crescimento de algas verdes, que fazem parte de sua dieta natural.

O substrato deve ser fino como areia, pois os peixes gostam de escavar. Logo para que não se machuquem ou engasgarem a granulometria não deve passar do N° 0 (sugar size). Pode ser areia comum de construção, de praia, de filtro de piscina. Podem ser também além de decorativas, tamponadoras: dolomita, calcita, aragonita, etc.

Use preferencialmente Aragonita ou Calcita, pois demoram muitos anos para perderem sus capacidade de aumentar o pH e mantê-lo no nível sem alterações. Devido a isso são mais caras. Já a Dolomita é bem mais barata mas perde o efeito alcalinizante em pouco tempo, devendo ser então trocada, o mesmo se aplica para conchas moídas.

As rochas usadas podem ser neutras como a maioria dos basaltos ou serem também alcalinizantes. O importante é que estejam bem firmes, podendo inclusive serem coladas com silicone para aquário sem bactericida, para garantir estabilidade. Como os peixes escavam, podem fazer as pedras desmoronarem. Isso pode causar sérios incômodos, caso elas esmaguem algum peixe ou até mesmo quebrem o vidro do aquário. Não use rochas mortas ou corais mortos nessas montagens: além de ficar esteticamente feio contribui para destruição dos recifes de corais de toda a parte do planeta.

Para manter o pH estável, existe uma alternativa muito eficiente: o uso de condicionadores de água. Eles são capazes de manter o pH estável com muito mais precisão e controle, basta dissolver na água do aquário e na água das TPAs. Existem marcas com produtos específicos para os 3 lagos, facilitando muito nossas vidas.

Aviso importante: na hora de habitar o aquário, deve ser feito com todos os peixes de uma vez. Se você for colocando aos poucos, os primeiros estabelecerão um território e perseguirão até a morte outros invasores. Se você já possui peixes e deseja comprar mais algum, uma solução prática é você trocar todas as pedras de lugar, assim os que já tem território definido ficam desorientados e não perseguirão tanto assim os novatos.

Uma curiosidade é que independente da espécie, todos esses ciclídeos estabelecem uma hierarquia, em que existe um peixe dominante e sucessivamente subalternos cada vez mais "fracos". Acontece que esses subaltenos estão sempre desafiando os superiores de sua escala: se perderem, continuam onde estão, se ganharem avançam um posto. E isso se perpetua indefinidamente, é muito interessante e educativo observar as disputas hierárquicas.

Existem também espécies em que a coloração do macho é distinta da fêmea e vice-versa quando adultos: Auratus, Saulosi, etc.

Inclusive, existem espécies que mudam de cor conforme seus "status"...

Ainda sobre comportamento, a maioria exige mais fêmeas do que machos, formando haréns de 2,3 até 6 fêmeas para cada macho. Existem espécies que só pode ter um macho no aquário. E nem outro peixe que tenha o padrão de coloração parecidos, do contrário será perseguido mesmo tratando-se de outra espécie. No caso do Kribensis, é a fêmea que procura o macho, corteja-o e luta por ele com outras fêmeas.

Concluindo, são espécies resistentes, coloridas, com padrões e formatos exóticos, únicas e que transmitem uma elegância sem igual. Numa infinita cartela de espécies, desde as que vivem em água livres até as que vivem em conchas (como os Shell Dwellers), dos pequenos de 3 cm até os gigantes de 90 cm. Dos vegetarianos aos herbívoros. Dos mansos até os mais agressivos, sempre terá aquele que chamará sua atenção.

Boa sorte com seus Ciclídeos Africanos!

Sobre o autor:
Mateus Camboim
Autor: Mateus Camboim
Mateus Camboim de Oliveira, natural de Porto Alegre-RS, é estudante de ciências biológicas preparando-se para ser professor. Adora escrever sobre biologia, mas principalmente ler sobre o assunto. Começou no aquarismo em 1996, quando ganhou de seu pai um pequeno Plati Ouro, a partir de então, o fascínio por esses animais só aumentou, tendo montado diversos aquários desde então mas considerando que só se tornou um “aquarista de verdade” a partir de 2005, quando passou a montar um aquário seguindo tudo o que aprendeu. Sua área de maior interesse é a fauna do aquário, vendo o aquapaisagismo e a flora como parte integrante, porém não o principal.

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